O surgimento da espécie Homo, na Pré-História, se deve ao surgimento da imaginação. O Novo Dicionário Aurélio conceitua imaginação como:
1. Faculdade que tem o espírito de representar imagens, fantasia. 2.Faculdade de evocar imagens de objetos que já foram percebidos; imaginação reprodutora. 3. Faculdade de formar imagens de objetos que não foram percebidos, ou de realizar novas combinações de imagens; imaginação criadora; 4. Faculdade de criar mediante a combinação de idéias. (...) 6. Criação, invenção. [...] 8. Crença fantástica; crendice. [...] Invenção ou criação constitutiva, organizada.
Foi a imaginação que lhe deu condições de passar do mundo do gesto, do grito para o mundo da linguagem articulada; solucionar problemas; passar do mundo do igual, do constante, do mesmo para o mundo das adaptações e mudanças. Foi a imaginação, enfim, que deu ao homem a oportunidade de se interrogar: Quem sou eu? Porque estou aqui? Para onde vou? Porque nasci? Por que morrerei? E depois? E assim desenvolver a religiosidade, buscar o sagrado, a experiência religiosa. E antes mesmo que ele usasse a imaginação para combinar idéias, escrever, criar e se inserir na história, ela usou a imaginação criadora para reproduzir nas paredes das cavernas formas animais, captar o sagrado.
Neste período a vida religiosa, que Mircea Eliade definiu como etnográfica (Cf. ELIADE, 1977), encerra certo número de elementos teóricos como símbolos, ideogramas, mitos cosmogônicos, genealógicos etc.. Enfim, toda uma série de sinais, objetos, locais que evocam, marcam, definem o encontro, a manifestação do sagrado, a hierofania, que atesta a experiência religiosa, "[...] o sentimento de pavor diante do sagrado, diante deste mysterium tremendum, diante desta majestas que exala uma superioridade esmagadora de poder, da experiência numinosa.[...]" (ELIADE, 1978, p.23-4)
Nós, ocidentais modernos experimentamos certo mal-estar diante de inúmeras manifestações do sagrado: é difícil aceitarmos que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se de forma tão intensa, tendo em vista nossa opção pela ausência do sentimento religioso, por viver num mundo des-sacralizado. A des-sacralização caracteriza a experiência total do homem não-religiosa das sociedades contemporâneas.
Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, mas apresenta rupturas, quebras, há porções de espaço qualitativamente diferentes dos outros. "Não te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés, descalça as sandálias; porque o lugar onde te encontras é uma terra sagrada". (Êxodo, 3,5) Um exemplo da não homogeneidade do espaço, tal qual ela é vivida pelo fiel é a existência do templo. Para o homem religioso a igreja participa de um espaço diferente da rua onde ela se encontra. No seu interior, o mundo profano é transcendido: no recinto sagrado torna-se possível a comunicação com os Deuses, por conseguinte no seu interior deve existir uma porta, uma escada, por onde os Deuses podem descer à Terra e o homem subir simbolicamente ao Céu. O templo é uma abertura para o alto e assegura a comunicação com o mundo dos deuses.
Todo espaço sagrado implica uma hierofania, uma irrupção do sagrado num território cósmico que o torna qualitativamente diferente. Quando Jacó viu em sonho a escada que tocava os Céus e pela qual os anjos subiam e desciam, e ouviu o Senhor que dizia: "Eu sou o Iahweh, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus de Isaac." Jacó acordou e disse: "Na verdade Iahweh está neste lugar e eu não sabia!" Teve medo e disse: "Este lugar é terrível! Não é nada menos que uma casa de Deus e a porta do céu!" Em seguida tomou na pedra que lhe servira de travesseiro, ergueu-a como uma estela e a ungiu com azeite. A este lugar chamou Béthel, quer dizer "Casa de Deus". (Gênesis, 28,12-19)
Nas grandes civilizações, entretanto, o templo recebeu nova e importante valorização: ele não é somente uma imago mundi, é igualmente a reprodução terrestre de um modelo transcendente. Lugar santo por excelência, casa dos Deuses, o Templo re-santifica a continuidade do Mundo, porque o representa e contém ao mesmo tempo: é graças ao Templo que o Mundo é re-santificado na sua totalidade. Uma outra idéia aparece a partir desta diferença ontológica que se impõe entre o Cosmos e a sua imagem santificada: o Templo. A idéia de que sua santidade está ao abrigo de toda a corrupção celeste, porque sua planta, seu plano arquitetônico é obra dos deuses e, consequentemente, se encontra muito próximo Deles.
Para o povo de Israel, o modelo do tabernáculo, dos utensílios sagrados e do templo foi criado por Jeová desde a eternidade que, além disso, os revelou aos seus eleitos para que fossem reproduzidos sobre a terra. Quando David dá a seu filho Salomão o projeto dos edifícios do Templo, do tabernáculo e de todos os utensílios, afiança-lhe que "[...] tudo isso segundo o que Iahweh tinha escrito com sua própria mão para tornar compreensível todo o trabalho cujo modelo ele dava". (I Crônicas, XXVIII, 19) Da mesma forma, a basílica cristã, a catedral, retoma e prolonga estes simbolismos. Por um lado é concebida como imitação de Jerusalém celeste, por outro lado, reproduz o Paraíso ou o mundo celeste.
Outro símbolo relacionado à experiência religiosa é o labirinto, que significa, entre outras coisas, a defesa de um "centro" porque ninguém pode pretender penetrar ou sair de um labirinto ileso: a entrada tinha o valor de uma iniciação, mas o centro apresentava vários significados. O labirinto podia defender uma cidade, um túmulo, um santuário, e, em qualquer circunstância defendia um espaço mítico-religioso que se pretendia tornar inviolável aos não iniciados. Em linguagem religiosa, impedia o acesso dos demônios do deserto, da morte.
Muitas vezes, o labirinto representava o acesso iniciático à sacralidade, à imortalidade, à realidade absoluta. E os rituais labirínticos em que se baseia o cerimonial de iniciação, têm justamente, como objetivo, ensinar ao neófito, no decurso da vida neste mundo, a maneira de penetrar sem se perder, nos territórios da morte. Este itinerário difícil se encontra, também, em outras circunstâncias como as circunvoluções complicadas de certos templos; a peregrinação aos Lugares Santos ou, até mesmo, a uma igreja; as tribulações do aceta sempre em busca do caminho pessoal. Penetrar num labirinto e regressar dele é o rito iniciático por excelência, e, no entanto toda a existência, mesmo a menos movimentada, é suscetível de ser assimilada ao caminhar num labirinto.
Estes e outros símbolos de experiências religiosas, de hierofanias, se encontram muito longe do homem pós-moderno que recusa a transcendência, vive encerrado num espaço homogêneo, contínuo, dessacralizado, desencantado, no dizer de Max Weber, ainda que repleto de mitologias camufladas.
Entretanto, como a experiência do sagrado funda o mundo, ela não pode desaparecer e encontra terreno fértil na busca de artistas como Deise Carelli que nas 24 obras aqui exposta, expõe, sua busca do sagrado que também sacraliza, diviniza o homem porque o coloca em contato contínuo com Deus: o sagrado está saturado de ser. "[...] Na realidade, o ritual pelo qual o homem constrói um espaço sagrado é eficiente na medida em que ele reproduz a obra dos Deuses.[...]" (ELIADE, 1978, p.43)
Fruto de longa pesquisa, Deise sintetizou em alguns símbolos os encontros e desencontros do homem contemporâneo. Aqui está representado o labirinto; o templo em suas várias formas, presença da Jerusalém Celeste na terra, ou, formalmente organizado em forma da cruz – emblema da fé cristã, do cosmo reduzido a seus termos mais simples, da Árvore da Vida; a escada, que nos eleva ao divino e O traz até nós, mas que em virtude do não-uso se fecha, se dobra numa espécie de "buraco negro' de uma civilização sem rumo, objetivo, des-humanizada.
Segundo Hegel, a arte seria o primeiro estágio do retorno ao absoluto, e, talvez, nos dias de hoje, a última instância em que é possível se falar do Sagrado sem a pecha de irracional porque o artista, espião do inconsciente, no mutável do código e da história, diz o imutável do homem em comunhão com tudo e com o outro.
referências
a bíblia de jerusalém. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.
eliade, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Lisboa: Ed. Livros do Brasil,
1978.
_______. Tratado de história das religiões. Lisboa: Ed. Cosmos, 1977.
tresidder, jack. o grande livro dos símbolos. Rio de Janeiro: Ed. de Ouro, 2003.
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